27 fevereiro 2008

cartas para o exílio

dir-se-ia que a noite vem e me traz com ela
até ti
até às horas em que se me despertam estas palavras

escrevo-te sentada no silêncio profundo desta aldeia.
por vezes ponho-me à escuta e quase sinto o mar
rugente e frio
lá ao fundo. penso
que farás
:dormes, certamente,
mão com mão, embalado num sonho,
oxalá lindo, lindo

assim quereria.


são tão altas as paredes da noite
tão habitadas pela estranheza de existirmos. tanta é a insónia
que me visita para me deixar este travo de amargor
esta suspeição de que para lá de todo o mundo
existe qualquer outra coisa
de que nem sei a cor
nem o sabor

(tento recuperar o meu corpo
a morna quietude do meu corpo
e acontece-me despertar
sempre e cada vez mais)



- há qualquer coisa de antigo neste estar aqui
a esta hora despropositada e perdida
a tentar alinhavar uma carta-


(o tempo que nos engole os dias e
o tempo que nos regurgita em solidão à luz do sol)

dias a dias a roda incessante das horas nos rouba
o sonho feliz. provavelmente
é um certo vazio que se instala entre os ossos e
a cor do olhar. perco-me tantas vezes quando
vigio o outro lado do mundo
perante o imenso das águas
de que quase sinto o rugido
aqui
sentada no silêncio da aldeia e digo
:então a vida é isto?

a gente entrega assim
tantas vezes

demasiadas vezes

um corpo
a outro
corpo

na esperança que ele o devolva roído de
ossos e tristezas e no
final
os dias são a hora exacta dos olhos no momento em que uma dor
qualquer
maior que a hora toda
se interpõe entre
mim
e
ti

(carregamos todos demasiados segredos
dores inconfessáveis e antigas
carreiros sinuosos por onde as lágrimas calam
e secam)

sei: há esse quotidiano de mãos
que se afundam na distância
e beijos por dar
sempre por dar
:há essa fronteira de vidro
inquebrantável fronteira de vidro e casas de onde semeamos estas palavras
como segredos
(:quanto
que de nós resta
depois da morte sussurrada
depois da morte
da doce morte
que assoma em cor
ao teu rosto
em água à tua boca
e se faz e desfaz
entre pernas e lençóis e vida
- uma pequena morte que reclamamos como nossa
um pedaço de ressurreição
possivelmente uma terra de renovadas boas-novas

-sei)



a verdade é que uma andorinha nunca basta
para toda a primavera
e como poderíamos então
crescermo-nos como outras terras
um no outro?

(temo ter-te já dito demasiado)

o que na verdade acontece é tangível apenas
no pensamento


sobra sempre um olhar
que vigia o frio rugido em que os dias
como o mar
se estendem para lá
sempre para lá
sempre
para lá



(tenho-te comigo
nesta hora
pequena)
ia e vinha e a cada coisa perguntava que nome tinha- sophia

memória